Explicação prévia
Apesar de não parecer, eu trabalho com uma criança de aproximadamente 4 anos de idade. Então, antes que ele me enlouqueça de vez, vou colocar no ar essa história sobre o boi. Pelo menos ele me compra esfiha da chinesa.
E aí tem uma televisão que fica do meu lado no trabalho – mas é uma 14 polegadas sem grandes ambições na vida: só mostra canais abertos, e olhe lá. Como se não bastasse, é obrigada a sintonizar, all day long, naqueles programas vespertinos que são produzidos com doses maciças de plasma sangüíneo.
Pois durante esse martírio diário surgiu uma pérola incomparável, que causou uma verdadeira convulsão histérica (e existe alguma que não o seja?) no diminuto recôndito iGuiano. Durante o Repórter Cidadão, com o incomparável Gil Gomes, logo após uma matéria macabra sobre um defunto escondido num sofá (isso às 5h da tarde, viva viva!), tivemos a – como definir? – imensa sorte de presenciar uma história que mexeu conosco como poucas.
Imagine você, caro leitor, que um jovem havia ficado noivo – e, por incrível que pareça, NÃO tinha matado a noiva; NÃO tinha sido morto pela consorte; NÃO tinha levado um tiro do pai da moça. Eu sei, nem parece uma matéria do Repórter Cidadão. Mas calma aí, teve sangue sim.
Eis que o noivo ficou tão feliz com seu enlace que quis dar uma grande festa, coisa para toda a vizinhança. “Mas para alimentar tanta gente assim, só um boi!”. Sábias, as palavras do sábio Gil: realmente o noivo sacrificou um bovino de grandes proporções. Mas aquele não era um ruminante qualquer; era o boi do melhor amigo do rapaz.
Até aí, (quase) nada. O que nos chocou sobremaneira foi um detalhe sórdido: o menino estava muito, muito, mas muito triste mesmo. De chorar pra câmera, com direito a musiquinha melancólica adicionada na edição. E por quê tanta consternação? “Porque o boi era meu amigo!”.
Bom, eu não sei vocês, mas tenho uma profunda dificuldade em aceitar que as pessoas sejam sozinhas a ponto de acreditar na amizade de um boi. Eu aceito o carinho por um animal, eu aceito que um ser humano goste de um bicho e até mesmo que a pessoa acredite na reciprocidade do afeto. Mas eu NÃO aceito que alguém pense que um boi seja seu melhor amigo! Até porque, com 6 bilhões de pessoas no mundo, é estatístico: tem que ter alguém que te ature e seja capaz de dizer algo além de “mu”.
Mas vejam vocês que, enquanto nos debatíamos em iguais doses de gargalhadas e luto, a Rede Tv! parecia não compartilhar da dor do menino – já que, enquanto mostrava o drama do órfão do boi, aproveitava para também exibir,
na mesma tela, a mensagem “LOGO APÓS O TV FAMA, NÃO PERCA
PEDRO, O ESCAMOSO!”. Falta de respeito, no mínimo.