Across my Universe

sexta-feira, abril 29, 2005

E você, lembra de 68?

Eu lembro só de foto, de imagens desfocadas, de ouvir falar. Ditaduras, repressão, poderio opressor - e nem era só no Brasil, nem era só de direita. O mundo bipolar era mais simples (ou simplista): tem o bom e tem o mau, e o mau é sempre o outro. Talvez por isso mesmo foi uma época tão arrebatadora, de manifestações passionais em que morrer por um ideal era exemplo não de coragem, mas de valor moral.

Ou seja: era ruim mas era bom, sabe como é?

O século XXI parece menos afeito a esse tipo de mobilização. Os protestos minguaram, e se tornaram menos declarações de opinião e mais espetáculos para atrair a atenção da mídia.
O que, no final das contas, faz todo sentido: a televisão e, em menor escala, o rádio, o jornal, a revista e a internet tornaram-se a fonte ocidental de conhecimento, ou reconhecimento, da vida. É quem valida os fatos: se o repórti falou, é verdade. E também o mundo mudou. Com a pulverização da dicotomia da Guerra Fria, seguida pela individualização extremada das sociedades ("E eu, quanto ganho nisso?"), crê-se cada vez menos em cada vez menos. Levar um tiro por aquilo em que se acredita não parece mais uma grande idéia.

Mas que ninguém pense que os novos tempos vão deixar de manifestar. A era digital criou uma nova modalidade de crítica que, olha, é uma coisa. Leiam aqui
a mensagem que recebi, outro dia, via e-mail.

Nada contra o uso de correio eletrônico como mobilizador. É um meio eficiente, embora atingindo um número reduzido de pessoas - uma andorinha só não faz verão mas já é um começo, né?

É, mas a mensagem me incomodou. Em parte pela duvidosa história de abertura (dados vagos, protagonista azarado ao extremo... será que o rio Piratuaba é tão bem vigiado assim?), embora eu reconheça nela uma espécie de síntese dos dramas dos peixes pequenos, sem trocadilho. O Veríssimo filho disse que "o Homem é o único animal que precisa transformar-se em símbolo para compreender o que está fazendo", então vou admitir Sônia e Antônio como metáfora, ainda que apócrifa, da opressão.

Só que o que pegou mesmo foi o encerramento. Irritar-se com a máquina de injustiça que trabalha para a impunidade é natural, saudável e quase obrigatório para quem está, como nós, levando na cabeça. Mas acreditar, com exclamações abundantes, que o trabalho está feito pelo simples fato de repassar um e-mail? Alguma coisa está fora da ordem quando a indignação acaba ao apertarmos o 'send'.

Prefiro eu mesma começar a minha campanha pela vergonha na cara. Se você envia protestos pela grande rede no balaio de e-mails com piadas ou com arquivos fofinhos de PowerPoint , prove que sua revolta dura mais que o tempo de mandar a mensagem. Grite, esperneie, exija, reclame - não precisa ser o novo Che, mas faça por onde. Porque só passar o problema pra frente, me desculpe, não é jeito de mudar as consciências alheias.

domingo, abril 10, 2005

~~ Frase da semana ~~

"A nossa prioridade é o nosso primeiro objetivo"

do treinador Joel Santana, à Rádio Globo-RJ, e fazendo juz à carinhosa alcunha de Velho Barreiro

sexta-feira, abril 01, 2005

Há muito tempo, quando os dinossauros ainda habitavam a Terra, eu estagiei na Rede Globo. Não me pergunte como eu consegui. Até eles contratam errado, às vezes.

Enfim. Nessa mesma época houve um grande alvoroço em todas as editorias de Internacional dos jornais da casa, porque Ali Kamel - então diretor de jornalismo da casa e ainda hoje no posto - encasquetou com a idéia de que precisávamos estar preparados para a iminente morte do Papa.

Mas de onde afinal ele tirou essa? João Paulo II não estava exatamente no auge de sua forma, mas nada indicava que ele estivesse pronto para desencarnar tão imediatamente. Porém...

Porém Ali Kamel havia sonhado com o passamento do Sumo Pontífice. E como jornalista não pode ser pego de calças curtas, o chefe achou por bem tomar o sonho como aviso divino. Iniciou-se então árdua pesquisa de imagens, preparação de textos, gravação de vts. Um grande esquema foi montado na sede da emissora em Roma, e até a rota a ser usada pela correspondente Ilze Scanparini (em uma motoneta, o jeito mais rápido de se deslocar pela capital italiana) já estava traçada. Durante semanas o tom de deboche levemente indócil dos jornalistas - que, afinal, tinham mudado muito da sua rotina baseado em virtualmente nada - conviveu com a insistente pulga que todos temos, nessa profissão: "E se acontecer?"

Corta para 2005, e o Papa continua aí.

Quer dizer, continua assim-assim. Suas aparições nos últimos dias - um espetáculo grotesco ao qual ele vem sendo submetido, ou ao qual vem se submetendo, e que os católicos mais fervorosos identificam com uma contrapartida ao martírio de Jesus (e que, portanto, seria uma prova da vocação cristã de João Paulo II) - revelaram um pontífice extremamente fragilizado.

As últimas informações, até esse momento, são de que o Papa está acamado, com febre alta decorrente de uma infecção, e de que teria recebido a extrema-unção. O gesto, apressou-se em explicar a Santa Sé, não é uma confirmação de que não resta nada a fazer: é apenas uma maneira de, através da oração, pedir por forças para o enfermo. Mas o mundo católico, por mais fé que possua, não pode deixar de enxergar no ato um aviso de que o fim está próximo.

E com esse fim, claro, vem um novo começo. Um novo Papa. Não é só pela partida da maior personalidade da Igreja Católica Apostólica Romana que a imprensa e uma boa parte do planeta estão segurando a respiração. Há muito suspense sobre quem sucederá Karol Woytyla no posto mais influente da aldeia cristã. É bastante provável - se não completamente óbvio - que essa decisão já está tomada há muito. Mas para todos aqueles que não são íntimos dos corredores do Vaticano a dúvida persiste: quem estará à frente do rebanho? Quem será o responsável pela orientação espiritual de milhões de pessoas, e que tipo de idéia orienta o espírito dele próprio? Pode parecer bobagem para alguns, mas as condenações de alguém com o título de Santo Padre têm um peso enorme para muita gente e suas decisões acabam por afetar a vida de todos (inclusive levando os agentes do Ministério da Saúde ao desespero cada vez que condena o uso de camisinha, para ficar apenas em um exemplo).

De qualquer maneira, agora só nos resta esperar. E torcer para que o pobre jornalista que estiver no plantão consiga encontrar as fitas antes que o Ali Kamel chegue gritando, superior: "Eu não falei???"