E você, lembra de 68?
Eu lembro só de foto, de imagens desfocadas, de ouvir falar. Ditaduras, repressão, poderio opressor - e nem era só no Brasil, nem era só de direita. O mundo bipolar era mais simples (ou simplista): tem o bom e tem o mau, e o mau é sempre o outro. Talvez por isso mesmo foi uma época tão arrebatadora, de manifestações passionais em que morrer por um ideal era exemplo não de coragem, mas de valor moral.
Ou seja: era ruim mas era bom, sabe como é?
O século XXI parece menos afeito a esse tipo de mobilização. Os protestos minguaram, e se tornaram menos declarações de opinião e mais espetáculos para atrair a atenção da mídia.
O que, no final das contas, faz todo sentido: a televisão e, em menor escala, o rádio, o jornal, a revista e a internet tornaram-se a fonte ocidental de conhecimento, ou reconhecimento, da vida. É quem valida os fatos: se o repórti falou, é verdade. E também o mundo mudou. Com a pulverização da dicotomia da Guerra Fria, seguida pela individualização extremada das sociedades ("E eu, quanto ganho nisso?"), crê-se cada vez menos em cada vez menos. Levar um tiro por aquilo em que se acredita não parece mais uma grande idéia.
Mas que ninguém pense que os novos tempos vão deixar de manifestar. A era digital criou uma nova modalidade de crítica que, olha, é uma coisa. Leiam aqui
a mensagem que recebi, outro dia, via e-mail.
Nada contra o uso de correio eletrônico como mobilizador. É um meio eficiente, embora atingindo um número reduzido de pessoas - uma andorinha só não faz verão mas já é um começo, né?
É, mas a mensagem me incomodou. Em parte pela duvidosa história de abertura (dados vagos, protagonista azarado ao extremo... será que o rio Piratuaba é tão bem vigiado assim?), embora eu reconheça nela uma espécie de síntese dos dramas dos peixes pequenos, sem trocadilho. O Veríssimo filho disse que "o Homem é o único animal que precisa transformar-se em símbolo para compreender o que está fazendo", então vou admitir Sônia e Antônio como metáfora, ainda que apócrifa, da opressão.
Só que o que pegou mesmo foi o encerramento. Irritar-se com a máquina de injustiça que trabalha para a impunidade é natural, saudável e quase obrigatório para quem está, como nós, levando na cabeça. Mas acreditar, com exclamações abundantes, que o trabalho está feito pelo simples fato de repassar um e-mail? Alguma coisa está fora da ordem quando a indignação acaba ao apertarmos o 'send'.
Prefiro eu mesma começar a minha campanha pela vergonha na cara. Se você envia protestos pela grande rede no balaio de e-mails com piadas ou com arquivos fofinhos de PowerPoint , prove que sua revolta dura mais que o tempo de mandar a mensagem. Grite, esperneie, exija, reclame - não precisa ser o novo Che, mas faça por onde. Porque só passar o problema pra frente, me desculpe, não é jeito de mudar as consciências alheias.
Eu lembro só de foto, de imagens desfocadas, de ouvir falar. Ditaduras, repressão, poderio opressor - e nem era só no Brasil, nem era só de direita. O mundo bipolar era mais simples (ou simplista): tem o bom e tem o mau, e o mau é sempre o outro. Talvez por isso mesmo foi uma época tão arrebatadora, de manifestações passionais em que morrer por um ideal era exemplo não de coragem, mas de valor moral.
Ou seja: era ruim mas era bom, sabe como é?
O século XXI parece menos afeito a esse tipo de mobilização. Os protestos minguaram, e se tornaram menos declarações de opinião e mais espetáculos para atrair a atenção da mídia.
O que, no final das contas, faz todo sentido: a televisão e, em menor escala, o rádio, o jornal, a revista e a internet tornaram-se a fonte ocidental de conhecimento, ou reconhecimento, da vida. É quem valida os fatos: se o repórti falou, é verdade. E também o mundo mudou. Com a pulverização da dicotomia da Guerra Fria, seguida pela individualização extremada das sociedades ("E eu, quanto ganho nisso?"), crê-se cada vez menos em cada vez menos. Levar um tiro por aquilo em que se acredita não parece mais uma grande idéia.
Mas que ninguém pense que os novos tempos vão deixar de manifestar. A era digital criou uma nova modalidade de crítica que, olha, é uma coisa. Leiam aqui
a mensagem que recebi, outro dia, via e-mail.
Nada contra o uso de correio eletrônico como mobilizador. É um meio eficiente, embora atingindo um número reduzido de pessoas - uma andorinha só não faz verão mas já é um começo, né?
É, mas a mensagem me incomodou. Em parte pela duvidosa história de abertura (dados vagos, protagonista azarado ao extremo... será que o rio Piratuaba é tão bem vigiado assim?), embora eu reconheça nela uma espécie de síntese dos dramas dos peixes pequenos, sem trocadilho. O Veríssimo filho disse que "o Homem é o único animal que precisa transformar-se em símbolo para compreender o que está fazendo", então vou admitir Sônia e Antônio como metáfora, ainda que apócrifa, da opressão.
Só que o que pegou mesmo foi o encerramento. Irritar-se com a máquina de injustiça que trabalha para a impunidade é natural, saudável e quase obrigatório para quem está, como nós, levando na cabeça. Mas acreditar, com exclamações abundantes, que o trabalho está feito pelo simples fato de repassar um e-mail? Alguma coisa está fora da ordem quando a indignação acaba ao apertarmos o 'send'.
Prefiro eu mesma começar a minha campanha pela vergonha na cara. Se você envia protestos pela grande rede no balaio de e-mails com piadas ou com arquivos fofinhos de PowerPoint , prove que sua revolta dura mais que o tempo de mandar a mensagem. Grite, esperneie, exija, reclame - não precisa ser o novo Che, mas faça por onde. Porque só passar o problema pra frente, me desculpe, não é jeito de mudar as consciências alheias.